quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Nosso querido professor Bouret

DIÁRIO DE CUIABÁ
Quarta, 20 de fevereiro de 2008
Edição nº 12042 19/02/2008
ANTÔNIO PADILHA DE CARVALHO

Os grandes espíritos são como as correntes atmosféricas, que deixam no ambiente, nas modificações da temperatura, os sinais da sua passagem... Um dos traços característicos do prof. Bouret era a sua bondade declarada.

É muito difícil encontrar um advogado formado pela UFMT que não tenha passado pelas mãos do mestre Bouret. Nunca encontramos em seu magistério superior nenhum ato de rancor, mágoa ou mesmo perseguição. Ele destacava, nesse particular, de certas plantas do Oriente, cujo leite corrosivo se transforma, com a velhice da árvore, em resina aromática. Professor Bouret sempre foi meigo, amigo, conciliador e acima de tudo compreensivo, ouvimos isso de seus colegas de juventude. Aquele sorriso que ele carregava nasceu como ele, e jamais será esquecido por quem o recebeu.

Era sua, também, a intuição de Hamlet, em relação aos ressentimentos e avaliação dos seus alunos: eles apareciam, à sua inteligência, como a chama do pavio da alma, que consumia, ela própria, a cera da existência... Elogiava-nos, os futuros bacharéis de direito em público, fartamente, e só nos censurava em particular.

Certo dia, como eu estranhasse sua generosidade excessiva em matéria de avaliação, notas bimestrais, ele observou, experiente: “Eu não faço de nenhum aluno um bom advogado, procuro sim dar condições para que todos os meus alunos sejam bons profissionais... quem faz o aluno é o próprio aluno...”

Esse ponto de vista, em crítica, define, no seu conjunto, a personalidade moral de Bouret. Ele era o leão da nossa Uniselva, que balançava a juba, às vezes, sobre as folhas, para tornar mais doce, mais brando, mais suave, o sono dos mosquitos...

O magistério superior de Aníbal de Souza Bouret representa, sozinho, um capítulo da nossa história pedagógico-jurídica. Ela constitui, na sua singeleza, na sua graça, na sua majestade sem arrebatamentos, um córrego cristalino, a fluir, solitário, de fontes desconhecidas na região. O seu exercício de professorado provém, através das camadas subterrâneas de onde Lenine de Campos Póvoas e Benedito Santana da Silva Freire foram buscar luzes para espargir no seu espaço de vida.

Os cerrados exóticos que atravessou, onde rolavam, profundas, as torrentes do desrespeito ao direito do cidadão nacional, e troavam, espumando, as cachoeiras das cores partidárias políticas, não lhe modificaram, jamais, a serenidade do curso. No terreno político, onde os seus contemporâneos tomaram as formas e as cores mais variadas e impressionantes, ele permaneceu aquilo que sempre fora: o diamante claro, de água puríssima, sem as tentações fantásticas do rubi, da turquesa, da ametista, do topázio, da esmeralda, mas com as cintilações incomparáveis de uma encantadora naturalidade.

A morte de nosso Prof. Bouret, após a primeira emoção, foi seguida, assim, em mim, de uma resignação de que mesmo, no momento, me espantei. Eu não tenho a noção do seu desaparecimento eterno. A sua vida, oscilante, já, entre a claridade e o mistério, preparava-nos, a todos, para o fenômeno daquela viagem definitiva. Afastando-se, aos poucos, da batalha do mundo, ele fazia lembrar esses artistas que se vão passo-a-passo retirando de cena, e que a platéia continua a aplaudir, frenética, entusiasmada, como se eles estivessem presentes.

Prof. Bouret continua a viver, e viverá como vivia, a dar vida nas salas e corredores da nossa faculdade de direito da UFMT e nos ambientes forenses de Cuiabá.
Só é eterno o que é simples. Os grandes espíritos são como as correntes atmosféricas...
* ANTÔNIO PADILHA DE CARVALHO é advogado, professor e escritor

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